sábado, 25 de agosto de 2012

Entrevista do mês: M., o vizinho


ONG's Protetoras dos Animais têm ganhado cada vez mais notoriedade na televisão e internet. Pelo facebook, por exemplo, podemos escolher qual seguir e acompanhar. Enfim, são muitas. Mas o número de ativistas [os que vão à protestos e que levantam do sofá pra dar a cara a tapa] é um número reduzido. 

Como é participar de uma ONG? Como é a vida de um ativista de verdade? Bom, eu tive a oportunidade de conhecer e ser amiga de um, o qual chamo de 'vizinho' por motivos óbvios, hehe. Acompanhei um pouco da vida do entrevistado de hoje [que prefere não ser identificado pelo nome por motivos de segurança] e pedi pra ele contar um pouco pra gente o que rola na real.

Kelly: Vizinho, começo te perguntando sobre o início da sua paixão por animais. Como que tudo começou?

Leoa Harama: era de um circo, tinha vários problemas neurológicos (por isso ficava com a lingua pra fora). Antes de ir pro Rancho, ela morava numa carreta que era muito pequena. Sempre que ela se virava, batia com a cabeça nas grades. Vários anos assim, ela acabou ficando com sequelas.

Na verdade não me lembro muito bem como começou, mas eu sempre tive animais em casa. Lembro que eu morava em um condomínio, devia ter uns 12 ou 13 anos, e tinham muitos gatos no condomínio (muitos mesmo)... e uma vez eu vi da janela de casa uns meninos de outro prédio matando um gato a pauladas. Nesse momento meu deu um 'estalo', sei lá o que houve. Na hora não fiz nada pois fiquei sem reação, mas isso aconteceu outras vezes e aí acabei arrumando briga, batia e apanhava quando via algo do tipo, pra tentar salvar aqueles gatos dessa situação, acho que foi mais ou menos por aí. Depois veio a internet e comecei a conhecer outras pessoas que tinham ideias parecidas com as minhas e um tempo depois houve um protesto na Avenida Paulista em SP, fui convidado a ir, e aí tudo começou a ficar mais sério e organizado.

Mica: Hoje você trabalha em alguma ong ou projeto de defesa dos animais?

Atualmente não, mas ajudo de forma 'solitária'. As ongs que trabalhei todas são de SP e hoje moro fora do estado de SP, onde as pessoas ainda não tem tanto envolvimento com esse tipo de 'causa'. Na universidade que estudo mesmo, tem muito animal abandonado e eu sempre tento levar ração, medicamentos, tudo o que consigo para ajudá-los, até adotei 5 gatos que viviam lá. Mas enquanto morava em SP era muito envolvido com algumas ongs, meus dias eram quase 100% dedicados a isso. Ainda voltarei a 'forma' antiga. :)

Kelly: Conta pra gente como que foi o seu primeiro protesto e o que rola por lá. Pela internet, conseguimos acompanhar algumas coisas, mas não temos acesso a tudo e como funciona, enfim. As pessoas que participam, que vão pra Paulista, por exemplo, são pessoas engajadas na causa ou rola de aparecer gente para um simples 'oba-oba'?

Esse primeiro protesto na Paulista, se não me engano, foi contra Rodeios (que é uma das coisas que mais luto e lutei até hoje). Eu cheguei lá no horário marcado pela internet, vi uma pequena aglomeração, fui chegando meio tímido como sou e já me deram uma faixa pra segurar, haha. Daí pra frente fui conversando com o pessoal, trocando telefones, fiz grandes amizades esse dia, amizades que tenho até hoje. Pessoal querendo aparecer tem em todo lugar. Acho que nessa época até não tinha tanto, mas hoje em dia esse tipo de 'causa' tem aumentado o número de adeptos e isso atrai os oportunitas... inclusive agora em época de eleição, tem muito candidato a vereador/prefeito que quer tirar uma casquinha disso, dizendo que são protetores, que resgatam animais, mas que na verdade o máximo que tem em casa é um bichinho de pelúcia.


Mica: Nos últimos tempos, acompanhamos alguns casos que ficaram famosos pela crueldade e pela cobrança para mudança na legislação. Como você analisa o cenário atual? Há avanços reais?

Avanços tivemos, mas como podemos ver nesses casos, também tivemos alguns retrocessos. Muitas cidades hoje já proibem Circos com Animais e Rodeios, como a própria cidade de São Paulo e Campinas. A Vaquejada também é proibida em muitos lugares como Santa Catarina. Porém as pessoas que deveriam fiscalizar esse tipo de crime (no caso as Polícias e Ministério Público) em algumas situações se omitem, às vezes por falta de conhecimento da própria legislação, mas às vezes por não concordarem ou serem adeptos a esses tipos de crueldades. Conheço muitos policiais que adoram rodeios e que se eu quiser algum tipo de proteção para conseguir fiscalizar algum evento desses, vai ser difícil conseguir, talvez só com ordem judicial, coisa que não precisaria se todos seguissem realmente o que manda a lei.

Kelly: Falando sobre Rodeios [que têm força no interior de SP], quais os perigos ou ameaças que você já sofreu por encarar algo envolva tanto dinheiro?

Já sofri todos os tipos de ameaças que você pensar: tanto por internet, telefone e pessoalmente. As cidades em que estive mais atuante contra rodeios foram Americana, Limeira, Piracicaba e Cordeirópolis, e em todas elas tive algum tipo de ameaça de pessoas ligadas a esses eventos. Mas acho que o mais marcante foi mesmo em Piracicaba.
Eu estava na casa de um advogado, próximo de onde seria realizado o evento, me preparando para sair e fiscalizar o barulho que a festa produzia (pois conforme determinação do ministério público local, o nível de barulho não poderia ultrapassar o limite determinado na época), e quando fui sair do condomínio onde morava o advogado que estava me ajudando no momento, 4 motoqueiros estavam nos esperando do lado de fora. Então o porteiro do condomínio pediu para que voltassemos pra dentro e ligou para a Polícia Militar, que ao se aproximar do local, os dispersaram. Mas fora esse dia, tiveram outros, como em um dia que estava sendo realizado provas de rodeio irregulares em Limeira, e eu de posse de uma medida liminar que proibia a realização desse evento, fui até o local com a Polícia Militar, recebi vários xingamentos e até tentaram me laçar, hahaha.

Mica: Você tem informações sobre como essa legislação é em outros países? Há exemplos a serem seguidos?

Olha, é claro que em alguns pontos, tem muitos avanços e vantagens em relação ao Brasil, mas em outros não difere muito. Exemplos simples são o Japão e sua caça as baleias, que é acobertada pelo próprio governo (que diz que a caça é feita para pesquisa e somente por isso), mas sabemos que no Japão a carne de baleia é muito apreciada. Além disso temos o Canadá com a matança de focas, a China com a matança de cachorros e ursos. Acho que a crueldade infelizmente é parte da maioria dos seres humanos, independente do país que vivem, assim como pessoas matam pessoas, fazem guerras, elas são cruéis com animais, independentemente de legislação. No entanto, é claro que pena mais severas, inibiriam um pouco dessas atitudes, mas não podemos ser inocentes a ponto de acreditar que isso terminaria. Nos EUA por exemplo, existem departamentos de proteção para animais, que tem poder de polícia, podem prender, invadir residências, dentre outras coisas para tentar proteger animais.

Kelly: Você chegou a trabalhar em duas ongs e provavelmente acompanhou o resgate de animais maltrados e afins. Você tem alguma história que te marcou durante este tempo de atividade? 

Na verdade foram 3. Não sei se devo citar quais, mas uma delas foi o Rancho dos Gnomos. Enquanto estive nela, o resgate que mais me marcou foi o de um potrinho atropelado por uma moto. Era de madrugada já quando a Guarda Municipal chegou no portão do rancho e ficou tocando a sirene para acordarmos, então fomos ver o que era e nos informaram da situação. Pegamos a caminhonete e fomos até o local, chegando lá estava o animal caído na via, com a mãe do lado, os dois muito agitados, ele tentando se levantar, mas estava com um ferimento muito grande e não conseguia. Então eu e o pessoal do Rancho, com a ajuda dos guardas municipais, conseguimos colocar o animal na caçamba da caminhonete e o levamos para o Rancho. Mas não tinha muito o que fazer a não ser aplicar remédios contra a dor, ele estava muito ferido, lembro que fiquei a noite toda com ele, até amanhecer, que foi quando ele morreu.

Mica: Ai que triste... E uma história boa, dessas que dá ânimo para continuar?

Na verdade eu não queria ter ânimo pra continuar, queria que nada disso fosse preciso. Às vezes, isso tudo faz até mal pra mim, fico sem dormir pensando em algo que vi, algum animal que não pude ajudar e tudo mais, porém é mais forte que eu, qualquer animal que vejo em risco, eu ajudo sem pensar nas consequências, depois quase sempre me ferro (financeiramente falando). Acho que vale a pena, é minha missão e vou cumpri-la sempre. Acho que estou devendo para todos os veterinários da minha cidade. Já levei vários animais atropelados que encontrei por aqui aos veterinários e sempre fica muito caro, mas eu só vou pensar nisso depois.

Mica: Sabemos que é uma causa que precisa de muita gente e muitos recursos. Quais os meios ou quais ongs e projetos você indicaria para quem quer se engajar?


Acho que indicar uma é difícil, mas pra quem quer ajudar, acho que a melhor maneira é procurar alguma ONG local, ver quais são as necessidades dela, ou até mesmo pela internet, ajudando na divulgação de eventos por exemplo, pois a maioria das ongs sobrevive de doações e eventos realizados (como bingos, etc). E é claro, não ter preguiça de ajudar, pois é um trabalho desgastante, e que não tem dia pra ser feito, feriado, final de semana, não tem dia certo pra nada. Quando ver algum tipo de animal precisando de ajuda, faça o óbvio, ajude! Aliás, aproveitando, queria lembrar o pessoal que dirige e que está sujeito a atropelar animais e pessoas (às vezes é inevitável), se isso acontecer, pare e ajude, não deixe o animal caído na pista. Leve para alguma clínica, converse com o veterinário, explique a situação, tenho certeza que ele será compreensivo, ajudará no preço, ajudará a doar quando o animal ficar bom. E se precisar, faça campanhas pelo facebook, internet, para ajudar a pagar, tem sempre gente disposta a ajudar com as despesas. Muitas vezes esses animais atropelados, ficam vivos, agonizando por horas, caídos nos canteiros, acostamentos, às vezes até passamos por eles achando que já estão mortos, mas estão apenas caídos alí, sem forças. Sempre quando vejo algum animal caído, por mais que pareça que já está morto, eu paro para ter certeza.

4 comentários :

  1. Parabéns Vizinho da Kelly.Eu sou 100% a favor de tudo que vc disse, não participo dessa maneira, mas sou do grupo, como muitos que fazemos pelas beiradas.
    No meu blog tenho Cãotrocinadores que ajudam com rações, vacinas para as pessoas que acolhem cachorros abandonados e ajudamos sempre a Ong dos Vira Latas.
    Graças a Deus que eu nunca presenciei um ngocio desses que vc citou dos gatos, pq eu sou franca:Não vou conseguir me controlar, sou passional!
    Estamos evoluindo sim, por exemplo na Espanha foi proibido tourada, na Coréia do Sul andam fazendo muitos movimentos de que são contra comer cachorros e falo disso sempre.
    Rodeio no Brasil é um jogo de interesse e que a platéia deveria se conscientizar e não assistir uma coisa horrível dessas.
    Mas, tenho muito orgulho de saber que tem pessoas como você, eu e tantos outros que fazemos de uma forma silenciosa ou nas ruas por todos os animais!Parabéns!

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  2. Nossa, quando lemos coisas desse tipo, ficamos tristes porque essas coiss ainda acontecem, mas felizes porque tem alguém se preocupando e agindo... É muito complexo pra nós sabermos e entendermos que existem pessoas que por conta de sua infância, educação e caráter sentem prazer em certas situações (assim como essas). Fico bem confusa quando vejo pessoas querendo ir e se divertir com rodeios sim, mas também esses dias atrás quando fui convidada para uma pesca, fiquei me questionando se não se trataria da mesma coisa, pois não era uma pesca para comer, mas sim por diversão. Mas os peixes também nao sofrem?

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  3. Quero aproveitar para ressaltar a veracidade aqui das informações, caso alguém ache que houve exagero nos casos contados pelo vizinho.

    Bom, eu sou testemunha da luta do M. Desde que a gente se conheceu, que eu o vejo ocupado cuidando de animais. A princípio, era sua luta contra os Rodeios. Lembro-me de uma vez que haviam ligado pra ele, ameaçando-o de morte. E isso não foi apenas uma vez. Também me lembro de estar chegando do meu trabalho e ele chegando do dele: tinha passado o dia no Rancho dos Gnomos [a diferença é que ele não ganhava $$ algum com isso]. Aliás, nessa época do Rancho ele ficou sumido que só... porque passou boa parte do seu tempo ali.
    Uma vez tb. o M. me convidou para uma panfletagem no centro da cidade. Era 7 de setembro e estava rolando o tal desfile por causa da Independência. Ou seja, centro lotado + prefeito + policiais. E lá fomos nós distribuir panfletos informando o que acontece de fato num Rodeio [haveria um na cidade dentro de algumas semanas]... Lembro que chegou a rolar alguma tensão... porque policiais começaram a encarar feio e houve até alguém dizendo que não podia distribuir panfletos ali, vai vendo...

    Enfim... o M. é exatamente como esta entrevista mostra e muito mais. Ele realmente pega animais e leva pra sua casa, tira dinheiro do próprio bolso, enfim... Tenho orgulho de ter conhecido uma pessoa como ele e é em pessoas assim que a gente tem que se espelhar. Ainda existe gente com bom coração no mundo e que não apenas fica incoformado, vai lá e dá a cara a tapa. Este é o vizinho. =)

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  4. M. o papo foi incrível e tenho certeza que vc deve ter muito mais pra contar! Obrigada pela oportunidade e força!

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