Mica: Imaginem a cena - três mulheres sentadas numa cozinha minúscula, tomando café (colombiano) e falando, falando, falando... Foi assim que eu e a Kelly nos olhamos e tivemos a mesma ideia na hora - a gente precisa entrevistar essa mulher! A mulher, é a amiga Paola, uma colombiana que veio ao Brasil estudar na USP e tem tanta história para contar que deixa qualquer um sorrindo ouvindo seu portunhol deliciosamente cantado. Foi nesse clima que a entrevista correu, peguem suas xícaras e se deliciem.
Mica: Vamos começar falando sobre o seu país?
Paola: Colômbia é um país mestizo, e isso determina muito sua cultura e história. Ao contrário do que às vezes achamos, latinoamérica é bem diverso, apesar de falarmos todos espanhol. Vocês, os brasileiros, são também latinoamericanos, pra gente, porque tiveram algumas semelhanças mas também por causa das suas diferenças. Colômbia compartilha com Peru, Ecuador e Bolivia o fato de ser andino (esta assentado no final da cordilheira dos Andes) e entre dois litorais, o do Caribe e o do Ocêano Pacífico. Por isso é um país de climas diversos, desde desertos (litorâneo ou interior) até vulcões com neve perpétua. Nossa população, como em Venezuela, é maioritariamente mestiça de indígena, espanhol e afrodescendente. Antes da vinda dos espanhóis tínhamos muitos povos autóctones, os quais após a violenta conquista espanhola ficaram reduzidos a pouco mais de 60 etnias diferentes, com múltiplas línguas indígenas. Sendo um país localizado no cantinho do continente, Colômbia tem sido e é um caminho de contato cultural e comércio entre o sul e centro e norte do continente. Músicas, contrabando, comidas e toda classe de produtos passam desde a antiguidade por Colômbia, unindo as pontas do continente. Como no resto de hispanoamérica, nossa conformação como estado nacional ocorreu no século XIX após as guerras de independência, lideradas pelas elites ‘criollas’ (não crioulas), as quais eram descendentes de espanhóis nascidos no continente americano porém sem privilégios. As camadas mais exploradas, que nem sempre, foram os indígenas e afrodescendentes.
Cláudia: Cláudia está morrendo de vergonha, por não conhecer o Brasil assim.
Mica: E como é viver num país assim?
Paola: É igualzinho do Brasil: país do terceiro mundo, porém colonizado pelo sonho americano. O nível de vida é semelhante, com classes mais e menos favorecidas, com diversidade e alguns problemas (narcotráfico, conflito armado interno), mas também com esperança e ‘berraquera’, empreendorismo. Porém, as diferenças são muitas, porque meu país apenas tem 42 milhões de habitantes, é maioritariamente cristão (e pouco diverso em religiões porque houve poucas migrações internacionais), e seu governo, a diferencia do vosso, é centralizado, e não federal.
Mica: Como decidiu vir morar no Brasil?
Paola: Acontece que sou antropologa e estou fazendo um doutorado em sociologia na USP, porque o Brasil é o mais importante país latinoamericano em ciências sociais e teoria e pesquisa em sociales, junto com México. Mas com a vantagem de ter a oportunidade de aprender português!
Cláudia: Você fez graduação no seu país e doutorado aqui, é isso?
Paola: Pois é, graduação em antropologia e mestrado em literatura hispanoamericana na Colômbia, e o doutorado aqui.
Cláudia: Que bacana. E em relação as pessoas, os brasileiros são realmente receptivos? Foi bem acolhida por aqui? Sentiu muitas dificuldades?
Paola: Brasil e os brasileiros/as são MARAVILHOSOS! Devo confessar que chegar em Sampa foi bem difícil, porque é uma cidade enorme e dura se você não conhece ou tem redes sociais. Mas após entender a enormidade da cidade, o trânsito, a pressa permanente, você já se sente a vontade. Como em todo país, é a gente que constrói seu cantinho de felicidade. O meu esta em processo, e quero que ele seja de Canudos a Iguaçu, porque este país fantástico es gigante e esta cheio de surpresas, costumes, e coisas e pensamentos muito interessantes. E sua gente é o melhor patrimônio!
Kelly: Além do Brasil, quais outros países você teve contato? E como foi a experiência?
Paola: A minha viagem mais impactante e longa foi ao Egito, onde morei por uns meses, em varias temporadas. Foi numa das melhores experiências da minha vida. Aconteceu assim, em breve: fui convidada por uma editorial colombiana para escrever uma biografia de uma personagem internacional para uma coleção, e aproveitando minha amizade com um colega do mestrado que era egípcio, pesquisei sobre o ex-presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, que independizou o país da colonização inglesa em 1952. Após o livro, tive a oportunidade de viajar e conhecer o país, e amei a incrível proximidade humana que os árabes têm com a gente, somos povos muuuuuito semelhantes, apesar das exagerações e distorções da mídia. É um país fantástico, pela sua história antiquíssima, mas também porque é colorido, cheio de pessoas do mundo todo, cheio de coisas novas e exóticas pra gente.... por exemplo, a gente acha que Egito é um deserto, e não é assim. O rio Nilo é a fonte de verde e vida que alimenta todo o país ao longo do seu percurso. Também tem estações, como Europa, por estar localizado no Mediterrâneo, porêm o inverno é mais suave, e não neva, embora seja frio! Igualmente, além de ‘toalhas’ na cabeça, os egípcios (como já ficou demostrado com a revolução que começou o ano passado) têm muitas coisas boas na cabeça! Sabem de filosofia, música, literatura (recomendo o prêmio nobel Nagib Mahfuz), pintura, e adoram a tecnologia e esse país de ao redor de 80 milhões de pessoas tem quase o dobro de celulares e o pessoal é louco enviando e recebendo torpedos, vivem grudados do iPhone e claro, no twitter! As mulheres, ao contrário do que é falado, não são submissas, e o islã é uma religião muito mais interessante e pacifica do que nos é apresentado. Aí si daria pra outra longa conversa contar todo sobre o Egito, porque é um dos países que analiso no meu doutorado... mais recomendo uma menina óootima chamada Joumana Hadad, jornalista (libanesa) que conta sua vida no mundo árabe, como poeta erótica e feminista militante, e não é uma coitadinha senão todo o contrário!
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Com Maged no Egito. |
Mica: Quando esteve aqui, comentou sobre a atuação que você e seu namorado tiveram nos acontecimentos no Egito em 2011. É possível nos contar algo disso? Como é participar de um momento histórico assim?
Paola: Na verdade André e eu fizemos apenas pouca coisa, nada demais: ficar postando no facebook, twittando e enviando emails aos amigos e a jornalistas sobre os acontecimentos, apenas fazendo eco aos egípcios que estavam lá. A gente tem este amigo egípcio, Maged, que estava no Cairo quando eclodiu a revolução. Desde 2005 (e antes inclusive, mas isso é outra longa história) os jovens egípcios estavam mobilizando-se, e Maged junto com eles. Assim que ele voltou pro Cairo (ele faz doutorado também aqui no Brasil), ele avisou à gente do que estava acontecendo, e repostamos suas mensagens e análises. Quando a internet foi cortada, a gente ligou pro Maged e ficamos em contato telefônico com ele o tempo todo, ajudando a conseguir entrevistas pra ele e outros egípcios com rádio e imprensa escrita latinoamericanas e brasileiras. Isso foi o único que a gente fez. Acompanhar aos verdaderos herois lá.
Dá alegria e orgulho apoiá-los, e raiva e decepção com nosso mundo, nossa história e o nossos esquecimentos e indiferencia com respeito às injustiças sociais e econômicas que aqui no Brasil, na minha Colombia e no Egito e em toda parte existem. É uma dor que nunca passa, e uma esperança que sobe e baixa, mas não acaba.
Cláudia: Paola, você acredita que o povo tem força pra mudar tudo isso? O que falta é coragem e iniciativa da população?
Paola: Acredito, sim, que (como dizem os meninos do Occupy) somos o 99% contra um 1%
Cláudia: Esse 1% é tão forte né? rs
Paola: Não acho, não. Esse 1% folgado apenas está se apropriando dos nossos direitos, do nossa ar e nosso espaço e nossas vidas e trabalhos, porque a gente o permite. Porque a gente elege políticos pela carinha e não pelo currículo e o programa, porque não estamos suficientemente informados... enfim, a gente está com a esperança de que pelo menos nossa cultura política aumente. E que coisas como a Veja e a Folha de SP, ou a Fox, deixem de ter valor e sejam os nossos interesses, os do 99% que têm votos e muitas, muitas pessoas, os que prevaleçam.
Cláudia: Você disse Paola, que a midia nem sempre passa a mensagem para as pessoas corretamente né? Eu vejo muito isso aqui no Brasil, eles manipulam as informações.
Paola: Desde que o mundo é mundo quem quer alguma coisa a defende e faz a sua própria publicidade. Não é um problema da mídia: somos nós que esquecemos de ler, de pensar, de criticar e refletir. Somos nós os que precisamos abrir mais os olhos ao mundo, aprender e lembrar da história, e renovar nosso espírito crítico e não acreditar nas coisas como vem, sem comparar, pesquisar, como a gente diz em espanhol: ‘não comer o peixe inteiro’. Manipulação acontece porque se faz, ou porque a gente se deixa...
Mica: Antropóloga, mestrado, doutorado, morou em três países, participou de revolução, escreveu um livro. O que falta para uma mulher que fez tudo isso?
Paola: Ah, Mica, obrigada, mas o segredo é só velhice, tudo aquilo já passou porque eu tenho 37 anos. Ainda faltam outros 50 para me lançar de paraquedas, aprender tango, curtir meu amado e as minhas amigas, comer, cozinhar e engordar, tomar o sol e beber a chuva... apenas abrir os braços para o que vier, e fazer pouco a pouco acontecer o pequeno minuto de cada dia. Quero terminar o doutorado, virar professora e passar o resto da vida lendo e viajando, e só. :)
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Com papá, em Taganga, Colômbia. |
Cláudia: E morar no Brasil pra sempre ? rs
Paola: Ay, Cláudia, como diz a ranchera mexicana: ‘si nos dejan.... nos vamos a querer toda la vida’! Brasil é formoso e delicioso, e morar aqui seria um sonho. Mas a gente pode morar em todo lugar e sempre ficar trocando...
*Para quem se interessar: "Gamal Abdel Nasser: El Faraon Rojo", Ed. Panamericana Pub Plc, 2005.