domingo, 10 de março de 2013

Leite derramado


Através dos olhos e das memórias de um velho em uma cama de hospital, Chico Buarque nos traz no seu último romance a história de uma família tradicional carioca desde suas raízes portuguesas até os dias atuais. A primeira vista esta síntese dá a ideia de um romance arrastado, pesado, com cara de novela das seis. Mas não tem absolutamente nada disso. 

Primeiro porque em 200 páginas estão concentrados dois séculos de história do Brasil sem falar exatamente disso. Segundo porque não há cronologia lógica. O narrador conta do que lembra, como lembra e vai emendando uma história na outra com um ritmo rápido e envolvente. 

Talvez esta seja uma característica marcante na escrita de Chico, seus romances não respeitam ou determinam sequencias lógicas aos acontecimentos, estão sempre sujeitos as visões, interpretações e lembranças das personagens. Foi assim em "Estorvo" (1991) e "Budapeste" (2003). Dos três, Leite derramado é o que tem o texto mais leve e menos confuso. 

Gosto da cadência que o autor deu ao texto, algo meio "carioca suingue sangue bom". Gosto também das pequenas surpresas, como ver um velho super tradicional contando histórias da sua vida como meu avô contaria e do nada começar a contar histórias escabrosas que nunca imaginaria um avô vivendo. 

Mas eu sou super suspeita para falar de Chico Buarque. O primeiro livro seu que li foi a peça "Calabar" que é apaixonante, desde então ele entrou pra minha lista de autores "tenho que ler tudo que este cara fez/fizer". Até hoje, nenhum me decepcionou. 

Pra fechar bem a indicação vale lembrar que Leite Derramado foi considerado o livro do ano em 2010, ganhou o prêmio Jabuti e o Prêmio Portugal Telecom. Não dá pra não ler. 

"Só sei que Eulálio d'Assunpção Palumba Júnior foi batizado e criado por nós, hoje é esse garotão que a leva para andar de carro e me dá charutos cubanos. Veio aqui em casa outro dia com uma namoradinha de alfinete no umbigo, que não parece nada comunista. Nem o garotão tem jeito de quem distribui panfletos contra a ditadura. Você deve estar fazendo confusão com o outro, aquele Eulálio mais moreno, namorador, que teve um caso com uma japonesa e engravidou a prima. Mas aquele, se não me engano, era filho desse Eulálio garotão com a moça do umbigo, minha cabeça às vezes fica meio embolada. É uma tremenda barafunda, filha, você nem vai me dar um beijo? É desagradável ser abandonando assim, falando com o teto."

Nenhum comentário :

Postar um comentário

Não somos responsáveis pelas opiniões e informações contidas nos comentários. A responsabilidade é única e exclusivamente dos seus autores. O Minha Saia é Mais Justa preza pela diversão, troca de conhecimento e respeito entre seus leitores e comentaristas.