A. é um amigo forte, carinhoso e verdadeiro que um dia recebeu uma notícia ruim, algo que ronda a todos nós e achamos que nunca irá acontecer. Hoje, ele nos conta como é se descobrir e viver soropositivo. Peguem os lencinhos e deliciem-se.
Mica: Como você descobriu que estava doente?
A.: Bem, na verdade, eu descobri muito por acaso. Sempre tive muito problema em ganhar peso. E a partir de Fevereiro/2011, além de não ganhar peso, comecei a perder. Na minha cabeça, poderia ser alguma coisa do tipo anemia, falta de vitaminas. Enfim, fui primeiro ao clínico geral. Ele solicitou diversos exames de sangue, de urina, e perguntou se poderia fazer exame para a HIV. Eu concordei. Depois de alguns dias, peguei o resultado e lá apareceu a temida palavra "Reagente".
Mica: E como foi olhar para essa palavra? O que você sentiu?
A.: Lembro que foi como se o meu chão desabasse. Quando apareceu o resultado de "reagente" minha primeira impressão foi "Meu Deus, tenho AIDS?... talvez seja um resultado falso". Junto com esse exame estava a convocação do laboratório, para fazer um segundo exame para confirmação de resultado. Eu respirei fundo, não me desesperei nessa hora. Levei os exames pro clínico geral. Ele olhou os exames, olhou pra mim e disse "Vou encaminhar você a um infectologista". Eu sentado, na cadeira, de frente pra ele, indaguei "mas eu não preciso fazer o segundo exame? e se esse resultado tá errado?". Ele me respondeu, que além desse resultado, eu apresentava outras características que não eram aparentes como gânglios inchados na virilha, nas axilas e no pescoço.
Mica: Sintomas que, acredito, a maioria das pessoas desconhece. O que aconteceu depois disso?
A.: Exato, são sintomas que não aparecem. Eu jamais pensei que estava com meus gânglios inchados. Mas os médicos sabem analisar, estudaram pra isso. Bem, ele me encaminhou ao infecto e lá fui eu procurar um infectologista que atendesse pelo meu plano de saúde. Encontrei um, marquei a consulta, e levei os exames. O médico infectologista olhou os exames e me disse "Bem, você está infectado pelo HIV. Você tem noção, sabe o que é essa doença?" eu respondi que não, e ele me explicou por uns 20 minutos tudo sobre o HIV e também sobre as outras doenças, que chamamos de oportunistas, que poderiam me acometer. Eu suava frio no consultório, com a explicação dele. Depois eu perguntei o que seria dali pra frente. Ele pediu um batalhão de exames, mais de 20, incluindo exames para saber se eu tinha alguma doença oportunista, que é o mais preocupante para quem tem HIV.
Mica: Como é saber que está infectado? Como fica a mente e o coração?
A.: Ao sair do consultorio do infecto, embora estivesse suando frio, ainda estava forte. Mas quando fui pro carro, desabei a chorar. Tanto que o manobrista do estacionamento veio até minha janela, perguntou se tava tudo bem. Eu respondi que sim e minha reação após isso foi ligar para meu melhor amigo, que estava no trabalho. Pedi pra ele me ligar a noite, que precisava muito falar com ele. Vim pra minha casa, engolindo choro. É uma sensação horrivel. Eu ficava me perguntando, mas porquê, como, quem me passou o virus? Sempre fui e sou muito racional, e ao chegar em casa, já não estava mais chorando, e fui direto pra internet, pesquisar no Dr Google, o que eram aqueles mais de 20 exames de doenças, que o infecto tinha solicitado. É de dar medo, muito medo, ao ler o que cada uma dessas doenças pode causar.
Mica: Pode nos explicar um pouco sobre essas doenças?
A.: Claro. A mídia fala muito sobre o HIV, há campanhas na televisão, como por exemplo, no carnaval, pedindo para as pessoas fazerem sexo seguro, usar camisinha etc. Mas não falam sobre essas outras doenças. Vou citar algumas, que graças a Deus, eu não tenho, mas que são fatais em um paciente com HIV. São elas: sifilis, hepatite c, tuberculose. São elas que matam os infectados, e não o HIV. Em uma pessoa sem o HIV, tais doenças não causam mal algum. Mas em quem tem o HIV, essas doenças levam à morte, caso o HIV não seja tratado. Do rol de doenças oportunistas, eu tenho que me preocupar apenas com uma, chamada toxoplasmose. Ela acomete o cérebro do paciente que não trata o HIV.
Mica: Você falou sobre achar um infecto que atendesse ao seu plano de saúde. Há dificuldades nesse sentido? O tratamento, médicos, medicação, exames têm cobertura?
A.: Não foi dificil encontrar um infectologista que atendesse pelo meu plano de saúde. Minha maior preocupação, por incrível que pareça, não era saber se eu iria morrer logo, se eu estava já fadado a morrer por causa do HIV. E sim, eu morria de medo que o plano de saúde não autorizasse os exames, as consultas. Ou pior ainda, comunicasse a empresa que eu trabalho, dizendo "ó, tem um funcionário de vocês que está fazendo exames relacionados ao HIV". Isso me tirou o sono por várias noites, é o medo de você não querer que as pessoas saibam que você tem HIV. Mesmo no laboratório, ao fazer os exames, tem algumas atendentes que não conseguem disfarçar. Parece que elas estão digitando os exames, e pensando "coitado, esse ai tem AIDS". Com relação a medicação, nenhum plano de saúde oferece cobertura. Mas pra falar sobre medicação, eu tenho que explicar como e porque alguns infectados começam a tomar remédios, e outros passam anos sem tomar nenhum remédio.
Mica: Estamos ouvindo!
A.: Entao começarei a falar rs. Todo portador do HIV, tem que se preocupar com 02 resultados nos exames. Um, chamado de CD4, que são as células de defesa do nosso organismo, que são infectadas pelo HIV. O vírus, destrói as células CD4s do nosso sangue. Em uma pessoa sem o HIV, a contagem de CD4 normal varia de 1500 a 1800 por milímetro de sangue. Meu primeiro CD4, estava 586 por ml de sangue. O outro resultado que deve ser analisado, é a Carga Viral, que é a quantidade de virus que existe por ml de sangue. Meu primeiro exame, deu 24.000 por ml.. Quer dizer, haviam 24.000 bichinhos por milímetro de sangue em meu corpo, destruindo lentamente minhas células de defesa. Ao levar esses primeiros resultados ao infecto, ele me disse: "vamos acompanhar. Por enquanto, você não precisa se preocupar, mantenha sua vida normal, e faça o acompanhamento de 3 em 3 meses". Passados 3 meses, refiz os exames, e minha taxa de CD4 abaixou mais ainda. Poucos dias depois do segundo exame de acompanhamento, tive a primeira doença oportunista, tive Herpes Zoster, que as pessoas chamam de "cobreiro". Isso, foi em Novembro/2011. Fui no clínico geral, tratei essa doença, e quando retornei ao infecto, disse a ele o que tinha acontecido. Ele me disse, "você já teve 1 manifestação clínica, se acontecerem 02, temos que entrar com remédios". Em Fevereiro/2012, tive uma segunda complicação, sapinho no esôfago. Foi o gatilho inicial para iniciar a medicação para combater o HIV.
Mica: A medicação é cara? Tem efeitos colaterais? Isso mudou sua vida?
A.: Sim, os remédios para combater o HIV são muito caros. Mas todos os brasileiros infectados, podem e têm os remédios distribuidos gratuitamente pelo Sistema Único de Saude. Está disponível, a todos que tenham o HIV. Eu atualmente, tomo 1 remédio de manhã e 02 a noite. Hoje em dia, só morre de HIV quem não tratar. Há muitas opções de remédios e estou consciente de que terei que tomá-los para sempre. Minha vida mudou sim. Agora, tenho horários para os remédios, não posso esquecer de tomar nenhum deles. Parei de beber, não bebo mais uma gota de álcool. Tento levar uma vida saudável, continuo fazendo tudo que fazia antes, exercícios físicos, trabalho. Os primeiros dias do remédio são os piores, pois eles são muito fortes e podem dar muitos efeitos colaterais. Por sorte, se é que posso chamar assim, tive apenas efeitos colaterais totalmente suportáveis, fora um sono sem fim, que vai passando conforme o corpo vai se acostumando. O pior remédio é o da noite. Ele é grande e até hoje me dá efeitos colaterais fraquinhos... eu costumo dizer é como uma brisa rs. Nos primeiros 20 dias nem saía de casa... agora, já saio e estou totalmente acostumado à medicação.
Mica: Você contou para sua família? Como eles reagiram?
A.: Sim, contei para minha mãe... ela se assustou, me abraçou, assim que disse ela ja ficou com medo que eu morresse, que ficasse numa cama, pois ela viveu uma época em que ter HIV era sinônimo de morte, de pessoas esqueléticas, isso ficou e fica guardado na cabeça dos mais velhos. Acho que na cabeça dela, eu ficaria igual o Cazuza quando revelou que tinha HIV no final dos anos 80. É o estigma da doença, que persiste até hoje.
Mica: E os amigos?
A.: Apenas três amigos sabem que eu tenho essa doença. Todos eles me escutam, ouvem meus dramas, e acompanharam e acompanham tudo que tem passado comigo. Dividi com eles esses dias, a alegria de saber que graças a medicação, o meu CD4 aumentou para 436... e a Carga viral hoje está apenas 588/ml. A tendência é ficar no que os médicos chamam de indetectável! Ou seja... o vírus nunca sairá do meu corpo, mas através dos remédios eles ficarão dormentes no meu sangue, sem se multiplicarem. É o que espero, é o que meu infectologista disse, e é no que confio!
Mica: A forma tranquila como fala e explica, a força que demonstra é emocionante! O que você diria pra quem passa pela mesma coisa?
A.: Eu diria várias coisas! Diria primeiro não tenha medo de ir fazer um exame de sangue para saber se tem HIV ou não. Se você teve alguma relação sem proteção, a camisinha estourou, não fique encanado. Vá, faça o exame. Se você não tem plano de saúde, procure uma unidade de saúde pública mesmo. Faça o teste. Se der negativo, ótimo! Se der positivo, enfrente o que tiver que enfrentar. E não acredite em tudo que ler no Dr. Google. O cara mais indicado pra te ajudar caso você tenha o HIV, é o infectologista. Ele estudou pra isso, ele sabe e responde todas as suas dúvidas. É importante se abrir com alguém também, alguém que você confie e não te julgue. Hoje em dia, ter HIV não é mais uma sentença de morte. Se você descobrir a tempo, é como uma doença crônica, que você tratará pelo resto da sua vida. Isso é o que eu posso dizer a quem tem HIV e já sabe. Tenha pensamento positivo sempre!